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SEPPE, DO MUNDO PARA MELIDES

Atualizado: 12 de fev.

AMOR E UMACABANA


Conheci o Seppe em Lisboa, num domingo invernoso, entre amigos à volta de uma mesa de carbonara caseira, preparada por um amigo italiano que nos visitava.

Ao fim do dia, ele estava de regresso a Melides. Quando me contou onde vivia, fiquei curiosa. Era a primeira pessoa que conhecia a viver permanentemente num local tão remoto. Mas o Seppe tinha planos de mudar-se para Lisboa e investir num projeto exclusivo de residências artísticas no Beato. A ideia era abandonar a sua vida no campo a full-time o que significava vender a casa. Poucas semanas depois, segui rumo até Melides para conhecer a propriedade que iríamos colocar no mercado.



A viagem num soalheiro dia de primavera, através dos campos de montado em flor ladeados por carvalhos e sobreiros, foi hipnotizante e apaixonei-me pelo carácter humilde da moradia. O acesso fazia-se por imponentes portões que levavam a uma entrada decorada com videiras, figueiras e outras árvores de fruto que surgiam casualmente.



Ao entrar, o hall conduzia à zona de estar, marcada pela lareira rústica ao centro. As portadas do alpendre abriam-se para a piscina, e a área de jogos, com uma mesa de bilhar, ligava-se à cozinha por um simpático passa-pratos, criando o ambiente perfeito para receber amigos e família.













O exterior contava com uma churrasqueira, forno a lenha e uma vista deslumbrante para o mar e para a serra da Arrábida. Avaliada em mais de um milhão e meio, esta era, à sua maneira, uma moradia de luxo imersa em cerca de 1.5 hectares de terreno.


Para mim era mais do que isso… Era como se fosse a última casa típica alentejana que preservava a sua traça e características originais, numa zona repleta de moradias perfeitamente decoradas, que parecem saídas de uma revista - mas completamente diferente.



No interior, a casa exibia móveis rústicos vindos do Reino Unido, terra do proprietário, pinturas especiais e peças únicas, coleccionadas e recuperadas durante o tempo que viveu em Los Angeles. Haviam livros sobre arte, moda, yoga, até como converter uma caravana num apartamento. Todos os elementos contavam, subtilmente, a história eclética de Joseph.
















Ao longo das visitas, conhecemo-nos melhor e aprendi mais sobre o seu percurso fascinante e singular: depois de estudar artes, fez voluntariado em ecoturismo na América Central e frequentou a American Academy of Dramatic Arts em Hollywood. De volta ao Reino Unido, seguiu uma carreira como músico e ator, trabalhando também em gestão de bares e eventos. Após uma tour musical em Los Angeles, decidiu estudar hotelaria na prestigiada École Hôtelière de Lausanne, o que o levou a trabalhar em hotéis de luxo nas Caraíbas.


Após uma perda pessoal, transformou a sua casa de família em Herefordshire numa quinta para eventos e aprofundou a sua espiritualidade, completando um treino avançado de yoga na Índia. Inspirado, iniciou uma jornada de yoga numa carrinha convertida, percorrendo o caminho do Canadá ao México em busca de um local para iniciar um projeto hoteleiro ligado à prática. Não encontrando viabilidade em Mazunte, regressou à Europa, onde uma visita a Portugal o levou até Melides, após um período na Comporta. Apaixonado pela região, adquiriu esta quinta para criar um retiro com cabanas de luxo, um templo de yoga e um estúdio de artes.


O contexto cénico levou-me a querer entrevistá-lo e aprofundar algumas quesões.


Demorou cerca de 12 meses a encontrar esta casa. Durante esse período, viveu na sua carrinha, uma antiga ambulância convertida, que avariou na Comporta e o levou a explorar a região até encontrar aqui o seu oásis.












“Esta propriedade destacava-se a milhas das outras. Por dentro era bastante antiquada, mas a estrutura estava toda lá, e eu próprio recuperei-a para a adaptar ao meu gosto.” – recorda.


O dia-a-dia na quinta começa de forma atípica para uma casa portuguesa, com uma sessão de yoga, seguida de meditação e um smoothie. Nos meses quentes, o mergulho diário na piscina é quase obrigatório. Uma boa sessão de pintura também não pode faltar. Para além disso, nas raras instâncias em que não recebe amigos de várias partes do mundo, mantém a sua rotina de trabalho criativo como empreendedor, recentemente a arquitetar um projeto para a comunidade artística.
























Entre os seus objetos preferidos, destacam-se o iate Maggie, comprado na Surfing Cowboys em Venice Beach, a guitarra acústicaelétrica John Epiphone e uma obra do artista britânico Jason Martin, que lhe foi presenteada pelo próprio num aniversário.




Melides, um destino em ascensão, já chamou à atenção de publicações como a Condé Nast e o New York Times. O Vermelho Hotel, do designer Christian Louboutin, foi eleito um dos melhores hotéis de 2024, já com planos para um segundo projeto hoteleiro na zona. Até celebridades como George Clooney, a princesa Eugenie e Harry e Meghan a elegeram como um dos seus destinos de eleição onde compraram casa.


Perguntei ao Seppe como via a evolução de Melides nos últimos cinco anos ao que ele respondeu: “A zona valorizou imenso e explodiu com novos empreendimentos. É triste ver parte da comunidade original forçada a sair devido aos preços elevados, mas, por outro lado, o desenvolvimento traz excelentes infra-estruturas e uma evolução constante.”



















É impossível negar o papel que os media internacionais tiveram ao “construir” o estatuto da zona. O New York Times comparou-a a Saint Tropez nos anos 50, por exemplo. A Forbes, por sua vez, reconheceu-a como um tesouro de natureza escondida, - o local de “slow living” por excelência… Os preços não tardaram a refletir esta nova popularidade: agora com valores de venda por metro quadrado na região cerca de 40% superiores em relação aos de 2018, antes da pandemia. Neste momento imóveis relativamente pequenos encontram-se à venda por 800.000 euros, enquanto que algumas propriedades de luxo excedem os dois milhões de euros.


Ainda assim, confessou honestamente: “Tem sido uma existência um tanto solitária. Senti falta de mais oportunidades profissionais e ao nível social. Mas adoro este lugar. Melides ensinou-me sobre amor próprio, a aceitar-me e a depender menos dos outros.”


Atualmente, o Seppe está de volta à sua cidade natal, onde passará a quadra festiva com a família e o processo de venda do imóvel está a chegar a bom porto.


Abandonar a casa dos seus sonhos em Melides não será fácil. No entanto, o interesse exponencial pela região por parte de viajantes como ele que procuram um ambiente imersivo para dar asas à imaginação, rodeados de natureza campestre e praia, faz desta, uma transição positiva, - uma passagem de bastão.



Ao viajar pelas quietas aldeias alentejanas, há muito invadidas pela onda de migração de quem procura em Portugal um refúgio para as suas vidas aceleradas, - sempre me tinha questionado “Quem é que vive neste lugar?”; “Como é que será morar aqui?”…


Ao longo do verão, abusei do repelente, mergulhei no mundo do Seppe e vivi o melhor de Melides: Passeei a cavalo entre os campos e as dunas; sentei-me na esplanada do Parque de Campismo com vista sobre a lagoa, partilhei as iguarias decadentes do “Xtian”, bebi uma imperial com os locais na praça, rezei na capela, desci as arribas e provei os tacos da praia da Galé, deleitei-me no ambiente do Tosca; provei os assados da “Tia Rosa”; conheci artistas… até fui a uma espécie de “glamping” rave. - Esta entrevista foi o desfecho da minha experiência.


A verdade é que, apesar dos seus recentes crescimento económico e reconhecimento global, a vida dos habitantes de Melides não é um “time-share” de luxo sazonal. Para quem vive na zona permanentemente, recém chegado ou não, as oportunidades de emprego permanecem limitadas e a região, remota. Há quem a prefira mesmo assim e considere uma opção muito mais exclusiva pela sua autenticidade, em relação à aclamada Comporta. Outros, têm dificuldade em fazer desta a sua “casa” e sofrem com a falta de escolas para os seus filhos, atividades culturais e de lazer, comércio local, centros de saúde, e outras infra-estruturas relevantes.


Por fim, foi um verão bem passado, respondi a algumas das minhas questões e concluí: Não há mundos perfeitos mas há uma espécie de “amor incondicional” associado a um lugar. Há aceitar as coisas exatamente como elas são, saborea-las e continuar a investir nelas, valoriza-las e dinamiza-las, ainda que apenas por apenas uma fase das nossas vidas, como foi o caso do Seppe.

 
 
 

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